Dois gatos se encontraram
Sobre uma lixeira, um dia:
(Creio que não foi no tempo
Da amorosa gritaria),
Um deles todo o aconchego
Era dormir no borralho;
O outro em cama de senhora
Tinha mimoso agasalho.
Ao primeiro o dono humilde
Espinhas apenas lhe dava:
Com esquisitos manjares
O segundo se engordava.
Miou e lambeu-o aquele
Pelo dever da sua casta;
Eis que o brutinho orgulhoso
De si com desdém o afasta.
Aguda unha vibrando
Lhe diz: -- Gato vil e pobre,
Tens semelhante ousadia
Comigo opulento e nobre?
--Cuidas que sou como tu?
Asneirão quando te enganas!
Entendes que me sustento
De espinhas e barbatanas?
--Logro tudo o que desejo,
Dão-me de comer na mão;
Tu lazeras e dormimos
Eu na cama e tu no chão.
--Que poderão dizer-me disto
Pois nunca te conheci;
Mas para verem que não minto
Basta olharem para ti.
--Ui! – Responde-lhe o gatorro,
Mostrando um ar de estranheza,
Tu és mais que eu? Que distinção
Pôs em nós a natureza?
--Tens mais valor? Eis aqui
A ocasião de o provar.
--Nada – responde o cavalheiro,
Eu não costumo brigar.
--Então; -- Torna-lhe enfadao
O nosso vilão ruim,
--Se não és mais valente
Em que és superior a mim?
--Tu não mias? --Mio— E sentes
Gosto em apanhar algum rato?
--Sim – E o comes? – Oh! Se o como!
--Logo não passas de um gato.
--Abate, pois, esse orgulho,
Intratável criatura:
Tu não tens mais nobreza que eu;
O que tens é mais ventura.
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